quinta-feira, 2 de agosto de 2007
"Cultura Viva"
Pedro J. Bondaczuk
A Casa de Cultura Tainã, de Campinas, é um exemplo perfeito do quanto uma comunidade carente – desde que organizada com eficiência, bem-administrada e com objetivos claros e bem-definidos – pode fazer por seus integrantes, tanto no sentido de promover o progresso pessoal de cada um dos seus membros, quanto de sua conseqüente inserção social.
Trata-se de um empreendimento vitorioso, e que merece ampla divulgação, até para estimular outros, de idêntica natureza, a se constituir, desenvolver e consolidar. Afinal, os bons exemplos (raros, por sinal) costumam se multiplicar e frutificar. E este, certamente, não seria exceção. Cabe, aqui, a caráter, o slogan tão batido (embora superverdadeiro), que diz: “O povo unido jamais será vencido”.
O difícil, convenhamos, é promover essa união. Muitos tentam, mas poucos, por um motivo ou outro, conseguem sucesso. Os integrantes da Casa de Cultura Tainã, todavia, conseguiram. E vou demonstrar porque. Aos que não conhecem essa entidade (creio que a maioria, já que a imprensa, estranhamente, ou por ignorância ou por preconceito, quase nunca dá cobertura às suas atividades), convém lhe traçar um ligeiro perfil.
Sua origem, na verdade, remonta a 1989, oportunidade em que a Prefeitura Municipal de Campinas estimulou a criação de 16 associações de bairro, às quais prestou assessoria técnica por um determinado tempo, mas que eram administradas de maneira absolutamente autônoma. A maioria dessas entidades não vingou, por razões que não cabe aqui debater, e não existe mais.
Algumas ainda subsistem, às duras penas, mas longe de cumprir os objetivos originais da sua criação. Não raras se tornaram meros comitês de políticos, que as mantêm apenas para os seus próprios interesses. Uma (apenas uma), no entanto, não só sobreviveu, mas evoluiu, se consolidou, diversificou as atividades e hoje é exemplo de empreendimento bem-sucedido não só na cidade, mas em todo o País: foi a fundada por moradores da Vila Castelo Branco.
Anos após a fundação, com o objetivo de dar-lhe maior amplitude, ou seja, de conferir-lhe um campo de ação maior e geograficamente mais abrangente, que extrapolasse os meros limites do bairro, seus integrantes resolveram não só ampliar os objetivos da entidade, mas até mudar o seu nome. Fizeram-no, contudo, de forma democrática, como tudo ali é feito desde a sua criação: abrindo oportunidade para que todos, membros ou não, opinassem a respeito.
Foi realizado, para tanto, um concorrido concurso na cidade e coube ao vencedor “rebatizar” a associação. Hoje ela se denomina Casa de Cultura Tainã – nome inspirado em um pássaro da fauna brasileira e que significa “caminho das estrelas” em tupi-guarani – e cuja sede não está mais localizada na Vila Castelo Branco, mas se situa na Vila Padre Manoel de Nóbrega.
E os “vôos” da exemplar entidade não pararam mais de acontecer. O principal deles, em termos de reconhecimento público, foi a outorga, em 8 de novembro de 2006, por parte do presidente Luís Inácio Lula da Silva, da “Insígnia da Ordem de Mérito Cultural”. Nada mais justo, já que essa associação é, hoje, sem favor algum, uma das maiores produtoras e divulgadoras de produções culturais de afro-descendentes do Brasil. Conta, por exemplo, com uma Orquestra de Tambores única no País, que faz shows e mais shows por todo o território nacional, além de promover oficinas, atuando, decisivamente, dessa forma, no resgate histórico e cultural da comunidade que lhe deu origem.
Tem, ainda, um bem-equipado espaço de informática, que atende crianças e jovens carentes de toda a Região Metropolitana de Campinas, os preparando para que tenham possibilidades de competir, em pé de igualdade, no restrito e cada vez mais exigente mercado de trabalho. Integra o Projeto Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), de inclusão digital.
Em novembro de 2005, foi inaugurado o Ponto de Cultura Tainã, que ganhou, por conseqüência, um totem “Pergaminho Filosófico-Cultural” coordenado pelo artista plástico José Luís Piassa, que é uma espécie de escudo, de logotipo desses centros produtores e difusores de conhecimento popular. Foi um passo importantíssimo não somente para a entidade, mas para a cidade de Campinas. Isto porque a entidade passou a contar com as sempre bem-vindas verbas federais para financiar os seus projetos. Para que o leitor entenda a importância desse acontecimento, faz-se necessário dar algumas explicações.
Os Pontos de Cultura são espaços formados por grupos de artistas, educadores, gestores e produtores culturais mediante trabalho voluntário. Sua função é a de promover a inclusão social por meio de atividades voltadas para as artes, folclore, costumes e tradições populares e alcançam, indistintamente, adultos, crianças, idosos e jovens de comunidades carentes, como cortiços, favelas, quilombos, aldeias indígenas etc.
O Ministério da Cultura, mentor do projeto, entra com os conceitos, os recursos, o acompanhamento, o treinamento dos monitores, a articulação institucional e a rede, que é aspecto vital do programa. Cabe aos parceiros locais propiciar os espaços, a gestão e assumir um punhado de compromissos, como a responsabilidade, a transparência, a fidelidade à proposta, a inserção comunitária, a democracia e o intercâmbio.
Todos os Pontos de Cultura estão em rede para trocar informações, experiências e realizações. Dessa forma, o Tainã tornou-se um centro formador por excelência de educadores populares, dos quais o País ainda é bastante carente. Mediante oficinas culturais, integra e desenvolve saberes dos membros das comunidades atingidas, com base no acesso à informação, à arte e à tecnologia.
Entre os projetos do Ponto de Cultura Tainã, como já destaquei, está a sua já famosa Orquestra de Tambores. Trata-se da primeira do País a usar instrumentos chamados de “steelpan” (panela de aço em inglês), tradicionais em Trinidad-Tobago. Aliás, tem, desde 2004, como educadora musical, Soluna Garnes, oriunda desse país insular do Caribe, que é filha de Rosalind Garnes, diretora musical da conhecidíssima Escola Saint Xavier.
A entidade desenvolve, ainda, inúmeras outras atividades, incluindo as ações de prevenção à Aids, com palestras, consultas e informações sobre a doença, além de contar com um original “Banco de Preservativos”, distribuídos gratuitamente às pessoas interessadas.
Cultura, na verdadeira acepção, é isso. É, numa de suas definições mais clássicas (há várias), “o conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade”. E é exatamente isso o que a Tainã faz. Daí os vôos tão altos já alcançados por esse “pássaro” encantado, cujo limite é, certamente, o infinito, “a caminho das estrelas”, para fazer jus ao significado do seu nome.
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Pedro J. Bondaczuk
Jornalista e escritor radicado em Campinas,é cronista do Planeta News e editor do espaço "Literário" do site Comunique-se.
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Um comentário:
Muito bom seu blog, cheio de foto... eita cara viajante
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