sexta-feira, 25 de setembro de 2009

POESIA CONCRETA.

POESIA-CONCRETA: TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPAÇO-TEMPO.
Diálogo a Dois
“A Angústia, Augusto, esse leão de areia”
Décio Pignatari

A Angústia, Augusto, esse leão de areia
Que se abebera em tuas mãos de tuas mãos
E que desdenha a fronte que lhe ofertas
(Em tuas mãos de tuas mãos por tuas mãos)
E há de chegar paciente ao nervo dos teus olhos,
É o Morto que se fecha em tua pele?
O Expulso do teu corpo no teu corpo?
A Pedra que se rompe dos teus pulsos?
A Areia areia apenas mais o vento?
A Angústia, Pignatari, Oleiro de Ouro,
Esse leão de areia digo este leão
(Ah! O longo olhar sereno em que nos empenhamos,
Que é como se eu me estrangulasse com os olhos)
De sangue:
Eu mesmo, além do espelho.

O VivoNão queiras ser mais vivo do que és morto.
As sempre-vivas morrem diariamente
Pisadas por teus pés enquanto nasces.
Não queiras ser mais morto do que és vivo.
As mortas-vivas rompem as mortalhas
Miram-se umas nas outras e retornam
(Seus cabelos azuis, como arrastam o vento!)
Para amassar o pão da própria carne.
Ó vivo-morto que escarnecem as paredes,
Queres ouvir e falas.
Queres morrer e dormes.
Há muito que as espadas
Te atravessando lentamente lado a lado
Partiram tua voz. Sorris.
Queres morrer e morres.

Pós Tudo

Simsim
poeta
infin
itesi
(tmese)
mal
(em tese)
existe
e se mani-
(ainda)
festa
nesta
ani
(triste)
mal
espécie
que lhe é
funesta



se
tem
fome
come
fama
como
cama
leão
come
ar


al
moço
antes
doce
do
intes
tino
fino
ao
gr
osso

mais
baixo
que
o
lixeiro
que
cheira
a
lixo
mas
ao
menos
tem
cheiro
o
poeta
lagartixa
no
escuro
bicho
inodoro
e
solitário
em
seu
labor
atório
sem
sol
ou
sal
ário

Poesia concreta: Um manifesto
Poemóbiles "Abre"
A poesia concreta começa por assumir uma responsabilidade total perante a linguagem: aceitando o pressuposto do idioma históricocomo núcleo indispensável de comunicação, recusa-se a absorver as palavras com meros veículos indiferentes, sem vida sem personalidade sem história - túmulos-tabu com que a convenção insiste em sepultar a idéia.
O poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e vivificar a sua facticidade.
O poeta concreto vê a palavra em si mesma - campo magnético de possibilidades - como um
"Incomunicable"
objeto dinâmico, uma célula viva, um organismo completo, com propriedades psicofisicoquímicas tacto antenas circulação coraação: viva.

Longe de procurar evadir-se da realidade ou iludí-la, pretende a poesia concreta, contra a introspecção autodebilitante e contra o realismo simplista e simplório, situar-se de frente para as coisas, aberta, em posição de realismo absoluto.

O velho alicerce formal e silogístico-discursivo, fortemente abalado no começo do século, voltou a servir de escora às ruínas de uma poética comprometida, híbrido anacrônico de coração atômico e couraça medieval.
Contra a organização sintática perspectivista, onde as palavras vêm sentar-se como "cadáveres em banquete", a poesia concreta opõe um novo sentido de estrutura, capaz de, no momento histórico, captar, sem desgaste ou regressão, o cerne da experiência humana poetizável.

Mallarmé (un coup de dés-1897), joyce (finnegans wake), pound (cantos-ideograma), cummings e, num segundo plano, apollinaire (calligrammes) e as tentativas experimentais futuristasdadaistas estão na raíz do novo procedimento poético, que tende a imporse à organização convencional cuja unidade formal é o verso (livre inclusive).

O poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de funções.

O núcleo poético é posto em evidencia não mais pelo encadeamento sucessivo e linear de versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre quaisquer parses do poema.

Funções-relações gráfico-fonéticas ("fatores de proximidade e semelhança") e o uso substantivo do espaço como elemento de composição entretêm uma dialética simultânea de olho e fôlego, que, aliada à síntese ideogrâmica do significado, cria uma totalidade sensível "verbivocovisual", de modo a justapor palavras e experiência num estreito colamento fenomenológico, antes impossível.
Augusto de Campos
(São Paulo SP, 1931)
Formou-se em Direito na Universidade de São Paulo, em 1953 , mesmo ano em que compôs a série de poemas em cores Poetamenos, primeira manifestação da poesia concreta brasileira. Na época, ele já integrava o Grupo Noigandres, do qual fora fundador, com Décio Pignatari e Haroldo de Campos. Em 1956 e 1957, participaria do lançamento oficial da Poesia Concreta na I Exposição Nacional de Arte Concreta, no MAM/SP e no saguão do MEC/RJ; em 1958, publicaria o Plano-Piloto para Poesia Concreta, em co-autoria com Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Nos anos seguintes, publicou estudos críticos e teóricos, além de traduções e poesia. Em 1984, iniciou sua produção de poemas em computador e novos meios tecnológicos. Suas obras poéticas mais recentes são Despoesia e Poema Avulso (1994). Poeta fundador do movimento concretista, Augusto de Campos utiliza recursos visuais, acústicos, de movimento e de disposição espacial dos versos em diferentes suportes de leitura para propor uma nova sintaxe estrutural para a poesia.
(publicado originalmente na revista ad - arquitetura e decoração, são paulo, novembro/dezembro de 1956, n° 20)

Nenhum comentário: